sexta-feira, fevereiro 10, 2006


"Sex". "Pain". "Angel". "Love". "Enjoy". As palavras que brilhavam na esfera metálica em palco chegam bem para descrever o que se passou ontem à noite num Pavilhão Atlântico esgotado há meses, quando os Depeche Mode entraram em cena. A noite foi motivada pelo ábum novo, "Playing the Angel", mas a força do espectáculo veio também - sobretudo? - de outras épocas. Épocas que não se esquecem, tal como tão cedo ninguém esquecerá este concerto.

Todo o palco tem um ar, futurista, metálico, robusto. Os suportes para os sintetizadores, cinzentos, sofrem o contaste com as cores das luzes: vermelhas, verdes, roxas, brancas, sempre adequadas ao sentimento de cada música e à palavra ditada pela esfera.

O concerto começa vermelho, com a silhueta de um anjo (o de "Playing the Angel") ao fundo. "A pain that I'm used to", primeiro single, é a introdução para um concerto de quase duas horas em que David Gahan despeja carisma, no centro do palco ou nas passarelas, imparável e exuberante como só ele. A roupa vai deixando de ser precisa, em direcção a um final em que no corpo do vocalista restam apenas as calças e os sapatos. "Sex". E não tocaram "Stripped"...Não tocaram "Stripped", mas tocaram músicas do imenso repertório de memórias marcadas a ferro e fogo nos anos 80 e 90, em que um só "riff" de guitarra, uma só batida, um só sopro de Gahan chega para atiçar, para descontrolar a dança, para fechar os olhos e abandonar o corpo à envolvência.

"Enjoy".É assim em "I feel you", "Personal Jesus", "Walking in my shoes", "Question of time", "Behind the wheel", "World in my eyes", "Policy of truth", "Everything counts", "Never let me down again", "Just can't get enough" e o monumental "Enjoy the silence" que, por mais tocado e referido que seja, nunca vai perder o poder daquelas palavras, ainda mais quando cantadas integralmente por um coro de milhares de pessoas. Pessoas que vêem os Depeche Mode pela primeira vez, pessoas que já os viram há anos, pessoas com mais de vinte e muitos anos que decerto não irão em faltar à nova chamada, marcada para 28 de Julho no Estádio de Alvalade.

Não depois desta noite. 16 mil pessoas assistiram à recuperação - tão bem conseguida em "Playing the angel" ("Precious" foi também um sério momento) - dessa electro-pop que sabe ser sintética e quente, investindo em rumos circulares, sem pressas, com a sensualidade escura de uns acordes que nunca se permitem cair em felicidades fáceis. O caminho é o do tormento.

"Pain". Sim, são anjos negros. Com alguma cor. Tentam o paraíso espiritualmente, mas é carnalmente que o descobrem. Quem precisa do paraíso com o prazer aqui tão perto?

A voz é grave e séria, desligada do corpo frenético, glam e teatral de Gahan. Ou então é grave e séria, mas no corpo de Martin Gore, anjo loiro com asas negras pronto a comover em "Home". "Angel". Ou então é grave mas com tons de alegria e esperança nos corpos abraçados dos dois, a cantar juntos num comovente final chamado "Goodnight lovers". Na esfera, acendem-se as palavras-chave. A mais forte agora é "Love".